8.06.2019

UM JEITO NOVO DE “VER” E “VIVER”: DOCUMENTÁRIO SOBRE PESSOAS QUE ADQUIRIRAM PERDA DE VISÃO, DESAFIOS, ENFRENTAMENTO E RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA


Considerando o Ser Humano o objeto de estudo da Psicologia como um ser global o projeto tem como objetivo compreender alguns fenômenos que ocorrem em seu viver, para esclarecimento de algumas situações. Devido a complexidade humana, nem sempre haverá respostas para tantos questionamentos, levando em conta o fator individualidade.

A partir do tema “Um Jeito Novo de “VER” e “VIVER”, pensou-se abordar como o Ser Humano é capaz de enfrentar, de refazer-se e de adaptar-se em sua história de vida e reorganizar a sua identidade, após a perda da visão.

A perda da visão adquirida acarreta outras perdas causando a falta efetiva de sentido, antes inclusos na sociedade, e como ressignificar esse viver.

Através de entrevistas e pesquisas bibliográficas, procurando contextualizar para compreender e esclarecer os fenômenos físicos psíquicos e sociais de indivíduos e a sua inserção a nova realidade, a pesquisa trará uma reflexão sobre esse Ser essencialmente interativo. Mas como o indivíduo é único, é um ser com o mundo, para o mundo, com o outro, ser consigo mesmo, responsável por suas escolhas e ciente de seus próprios recursos, é preciso entende-lo, vê-lo como um todo, é preciso apreender suas emoções pensamentos, atitudes. Assim mostraremos esse “Ser Integral”, como age, como reage, como se faz, como se refaz e se transforma após ser acometido por uma Neuropatia Óptica Hereditária.

A proposta consiste em definir sobre a Neuropatia Óptica de Leber, como é geneticamente transmitida, a importância do acompanhamento psicológico ao indivíduo e familiares. Demonstrar a parte fisiológica do Sistema Ocular como a neuropatia afeta o órgão responsável pela visão. Com base na psicologia fenomenológica existencial serão abordados alguns fatores que influenciam no comportamento do indivíduo e os aspectos psicossociais que possivelmente ocorrerá, serão descritos.

De acordo com Tuttle (1996), a perda de visão manifesta uma série de implicações para a manutenção pessoal, doméstica, para as deslocações, para a leitura e a escrita, para o emprego e lazer.

Fez-se necessário distinguir as consequências psicossociais que agrupam implicações sociológicas e psicológicas. Em relação a essas, podemos citar o afastamento social, atitudes estereotipadas tanto das pessoas que veem como das que não veem. Houve a necessidade de um processo de ajustamento pessoal e social, a importância do autoconceito e da autoestima nesse processo.

A visão é um dos principais sentidos pois esse possibilita que os seres percebam com maior ou melhor exatidão o mundo que o cerca. Sendo assim a perda da visão principalmente para aquele que há possuía, traz para esse indivíduo outras perdas, psicológicas, sociais econômicas, enfrentam problemas que afetam a qualidade de vida, Segundo Pelechano (1995). São perdas que implicam na personalidade como um todo.

Pretende-se entender esse processo pelo qual o indivíduo se depara com a perda de visão. Para Dodds (1991) prefere ver como processo em vez de um ponto final. Aceitação seria outro conceito a ser utilizado quando se trata de lidar com a perda de visão adquirida. Estudos realizados por Pearlman e Ruth (1980) sobre a cegueira adquirida, sugeriram que as reações típicas a este acontecimento traumático seriam constituídas por três grandes fases: choque, depressão e recuperação.

É preciso compreender como o indivíduo lida com essa nova situação e como poderá desenvolver mecanismos e recursos para se adaptar e “VER”, e querer Viver a vida se transformando, se refazendo e construindo ou reconstruindo um mundo novo, no qual ele possa voltar a fazer parte, continuar a desenvolver sua identidade, já que essa não é estática ela se constrói nas relações sociais. A identidade é a consciência que o Ser tem de si mesmo. Se perdeu, tem que ser encontrada, reconstruída para ter significado na vida, dando sentido ao seu viver.

A perda visual no Brasil


Segundo dados do IBGE de 2010, 23,9% (45,6 milhões de pessoas) da população brasileira possuem algum tipo de deficiência. A mais comum entre as deficiências é a visual, registrado 3,5% da população. O número coletado é de 528.624 pessoas com cegueira. (incapazes de enxergar). Pessoas com baixa visão ou visão subnormal (grande e permanente dificuldade de enxergar) são 6.056.654 pessoas. Informações declaradas pela pesquisa afirma que a cada 5 segundos, 1 pessoa se torna cega no mundo. E casos de cegueira, 90% ocorrem nos países emergentes e subdesenvolvidos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, 80% dos casos de cegueira poderiam ser evitados, se houvesse ações de prevenção. A conscientização da importância da vacinação de mulheres adultas na prevenção de algumas doenças como a rubéola, sarampo e taxoplasmose, que podem levar doenças congênitas à criança durante a gravidez. O adulto deve fazer o acompanhamento de doenças metabólicas, como pressão alta e diabetes que podem causar a cegueira. Outros cuidados devem ser tomados, exames oftalmológicos, evitar uso de medicamentos e colírios sem indicação médica, se expor em lugares que fazem uso de substâncias químicas, fogos de artifício, contato com plantas tóxicas e fazer aconselhamento genético em caso de casamento consanguíneo.

É necessário a avaliação da Acuidade Visual (AV), ou seja, à clareza de visão, a capacidade do olho para distinguir detalhes espaciais, contorno e a forma dos objetos. A acuidade depende de fatores ópticos e neurais. Assim esse processo pode permite identificar o nível da deficiência visual. Se é moderada, grave ou cegueira.

A medida utilizada é representada por (6 metros) distância entre observador e o objeto, em uma fração onde o numerador é o 20, e o denominador é o tamanho do optotipo. Quanto maior o denominador menor será a acuidade. Então AV igual 20/20 considera-se visão normal, próxima a fração 20/60, existe a deficiência visual. Se a acuidade for igual ou inferior a 20/400 a condição é definida como cegueira. (Carlson et al., 1990; Cline et al., 1997; Dondona & Dondona 2006).

Aspectos mofofisiológicos da deficiência visual


É inerente ao ser humano a capacidade de percepção do mundo a sua volta através das áreas multissensoriais existentes no cérebro, em especial pela visão, e uma vez perdida a capacidade visual do indivíduo, ocorrem profundas mudanças nesta percepção do mundo que lhe cerca.

A visão funciona através do processamento de dados recebidos pelo encéfalo, por intermédio dos receptores sensoriais ativados pela luz. Desta forma os estímulos são interpretados pelo cérebro, mais precisamente no córtex occipital. O sistema visual é composto pelos olhos, nervos e diversas estruturas. As células nervosas que enviam sinais como visão, audição, paladar e tato para o córtex cerebral estão presentes no tálamo, ele tem como função a integração do sistema sensorial e motor.

Situado em uma cavidade do crânio denominada cavidade ocular, o olho é envolvido por camadas adiposas que lhe dão maior proteção e permitem que se movimente com liberdade, seus movimentos são regidos por seis músculos oculares para que os olhos possam se mexer de acordo com o comando do cérebro.

A imagem que vemos é resultado do seguinte processo: o cristalino, uma lente biconvexa, forma uma imagem real e invertida do objeto, a qual fica localizada exatamente sobre a retina. Feito esse processo, essa imagem é enviada ao cérebro pelo nervo óptico. Após inúmeros processos, que as fazem ficar na posição certa, enxergamos o objeto nitidamente.

Conseguimos enxergar os objetos de modo nítido porque a imagem deles forma-se sobre a retina, no entanto, existem alguns casos em que ela não se forma exatamente sobre a retina, originando o que chamamos de defeitos de visão. Esses defeitos ocorrem em razão de uma possível deformação no globo ocular ou mesmo por uma defeituosa acomodação visual.


Estrutura ocular

Para exercer sua função de decodificar o mundo a nossa volta em imagens, o olho depende do bom funcionamento das diversas partes que colaboram para a formação da visão tais como:

1 - As córneas que são estruturas mais externa do olho, elas têm a função de focalizar a luz que chega aos olhos;

2 - A esclera que é a parte branca do olho ligada a córnea, ela tem a função de dar proteção, é onde se fixam os músculos extraoculares, responsáveis por diversos movimentos do olho e pela forma dele;

3 - Temos também a conjuntiva que é uma membrana transparente e fina que recobre a parte branca do olho, ela possui diversos vasos sanguíneos;

4 - A quarta estrutura é a íris, ela é a parte mais escura e possui uma abertura central. Ela fica localizada logo atrás da córnea;

5 - A íris possui diversos músculos lisos que controlam a abertura e fechamento da pupila, e funciona como o diafragma de uma máquina fotográfica, sua abertura varia conforme a luminosidade do ambiente;

6 - Temos também o corpo ciliar que fica localizado atrás da íris. É responsável pelo humor aquoso, que é um dos fluidos intraoculares, é responsável também por manter a pressão ocular e seu formato esférico;

7 - A sétima estrutura importante para o olho é o cristalino que tem consistência gelatinosa e elástica. Ela focaliza a luz que penetra na pupila e forma a imagem na retina;

8 - Outra estrutura importante é humor vítreo formado por uma porção gelatinosa que ocupa a porção central do globo ocular;

9 - A retina, que é a parte do olho onde se formam imagens das coisas que são vistas, corresponde a um fino tecido nervoso que transmite a imagem para o cérebro através do nervo óptico, é a camada mais interna do olho;

10 - Coroide é a camada média do olho, intensamente pigmentada e vascularizada;

11 - Os vasos sanguíneos da coroide é que suprem as células da retina de oxigênio e nutrientes, necessários para a manutenção e consequentemente, o bom funcionamento da visão;

12 - O nervo óptico que é a conexão do olho com o cérebro. A imagem capturada pela retina é transmitida para o cérebro através dele e ao longo de sua estrutura passam vários vasos sanguíneos para levar oxigênio e nutrientes;

13 - A glândula lacrimal fica localizada na parte interna superior da pálpebra superior. É responsável pela produção de lagrimas;

14 - As pálpebras que são consideradas anexos oculares e são formadas por um tecido musculoso- fibroso recoberto por pele na parte externa e conjuntivo na parte interna. Sua principal função é distribuir lagrimas pela superfície ocular e limpar a córnea ele tem músculos que ficam na parte superior e contraem- se retraindo as pálpebras e abrindo o olho;

15 - E por último temos os cílios que são responsáveis pela proteção os olhos de sujeiras ou partículas suspensas no ar;

16 - O nervo óptico é a estrutura formada pelos prolongamentos das células nervosas que formam a retina. Ele transmite a imagem capturada pela retina para o cérebro;

17 - As pálpebras, que são consideradas anexos oculares, tem como função proteger o olho na sua parte mais anterior. Através da sua movimentação (piscar), espalha a lagrima produzida pelas glândulas lacrimais, umedecendo e nutrindo a córnea e retirando substâncias estranhas que tenham alcançado o olho.


Deficiente visual com bengala guia

Grande parte da apreensão da realidade depende da informação visual que possuímos, ela fornece ao sistema motor os dados necessários para a locomoção segura, sendo substituída, uma vez que o indivíduo a perde, pela audição em grande parte, visto que a audição tem capacidade de análise espacial do ambiente, semelhantes em vários aspectos à visão. (Collignon et al.,2009)

O ouvido é o principal órgão sensorial à longa distância, pode ser considerado como o sentido “rei” principalmente para os deficientes visuais, pois é o único meio pelo qual a pessoa cega pode perceber a distância e a profundidade em qualquer ambiente.

A perda da visão afeta representações sensoriais no córtex visual, todavia ocorrem mudanças plásticas neuronais compensatórias de outras modalidades, principalmente auditivas, demonstrando a grande capacidade do cérebro humano em adaptar-se após a lesão do tecido neural. (cf. Pascual- Leone et al., 2005).

A plasticidade neural pode ser definida como uma mudança adaptativa na estrutura e nas funções do sistema nervoso que ocorre em qualquer estágio, como função de interações com o ambiente interno ou externo ou, ainda, como resultado de injúrias, de traumatismos ou de lesões que afetam o ambiente neural, graças à ação sinérgica de diferentes órgãos, coordenados pelo sistema nervoso central (SNC). (Phelps, 1990).

Os neurônios determinam o funcionamento do nosso corpo, estas estruturas juntos formam as redes neuronais. Eles estão sempre formando novas sinapses o tempo todo, então essas redes neuronais podem ser modificadas através de novos aprendizados, essas alterações podem ser tanto a níveis moleculares quanto a níveis anatômicos.


Leitura em braille

Existem também atividades no córtex visual primário em tarefas discriminativas táteis nos cegos congênitos ou precoces, mas não em cegos tardios, porém, nos dois grupos existe uma ativação semelhante nas áreas estriadas. Sadato et al. (2002). Contudo ainda há algumas discordâncias entre os pesquisadores a esse respeito. Alguns afirmam também que em suas experiências puderam verificar atividade de V1 em cegos tardios, mas não em cegos congênitos e atribuem a este fato a experiência prévia com a visão dos primeiros indivíduos.

A relevância do córtex occipital em cegos é evidenciada através da leitura em braile, pois este é responsável pela decodificação da imagem. Esta observação foi pioneiramente afirmada por Wanet-Defalque et al., (1988) em suas experiências com deficientes visuais quando pode comprovar a ativação de áreas visuais occipitais durante a realização de tarefas táteis.

Essas descobertas ajudam a explicar a capacidade que os deficientes visuais têm de desenvolver uma percepção avançada nesses sentidos. De acordo com uma pesquisa internacional liderada pelo centro médico da Universidade de Georgetown (GUMU), pessoas cegas de nascença fazem uso das partes visuais do cérebro para refinar as sensações de toque e som.

Este montante de pesquisas a respeito de substituição de um sentido pelo outro tem um correlato teórico com as concepções de Luria (1981) uma vez que entende as funções mentais humanas como uma ação coordenada de várias regiões corticais e subcorticais, integradas com as modificações corporais, ou seja, nenhum dos processos mentais deve ser considerado como isolado. Suas ideias foram inspiradas por Vygotsky (1996) quando afirma que deficiências como a cegueira são capazes de reorganizar todo o cérebro, desenvolvendo meios alternativos para atingir sua meta.

A visão que o cego tem do mundo é de uma riqueza única, incomparável e deve passar a ser vista como uma apreensão integral da realidade, não uma carência de visão, não uma castração de um órgão, mas a existência suficiente de um ser humano completo. (Monte Alegre, 2003, p.12)

Neuropatia óptica hereditária de Leber (LHON)


Neuropatia Óptica de Leber, doença neurodegenerativa hereditária rara transmitida apenas pelo sexo feminino, caracterizada por rebaixamento visual acometendo ambos os olhos no estágio inicial apresentam hiperemia (aumento do volume sanguíneo) da papila, seguida de atrofia (degeneração), que determina a perda da visão central. Para o diagnóstico ser preciso é necessário o estudo molecular. Mas acredita-se também que exista comprometimento das condições ambientais que podem favorecer o surgimento da doença.

Theodor Leber, (1871) oftalmologista alemão realizou estudos sobre indivíduos de famílias acometidos por atrofia óptica, súbita perda de visão em homens com histórico familiar de cegueira. A patologia atingia exclusivamente o nervo óptico e alguns casos foi detectado problemas cardíacos.

Muitas pesquisas foram realizadas relacionadas à clínica, genética e bioquímica da doença, um século após (1988) descobriu-se que a herança era mitocondrial, confirmadas as mutações pontuais do DNA mitocondrial (mtDNA). Passando a se chamar então, a atrofia, de Neuropatia Óptica Hereditária de Leber. Ambos os sexos herdam as mitocôndrias materna, mas a doença não é transmitida pelo homem, ou seja, eles não transmitem as mitocôndrias para as gerações seguintes. (Amaral Fernandes 2013).

Heredograma padrão de herança materna e apesar do homem ser afetado na maioria das vezes, o sexo masculino não transmite a doença.

Essas mutações encontradas no mtDNA em pacientes com fenótipo semelhante garantiram o diagnóstico, pois antes era baseado nas características clínicas. As mutações de ponto, apresentam substituições de nucleotídeos e aminoácidos que aparecem em doenças neurológicas e oftalmológicas mais raras. Sendo a Neuropatia óptica hereditária de Leber uma das mais comuns encontradas na prática clínica.

A LHON apresenta predominância nos indivíduos do sexo masculino. A prevalência é de 1 em 31.000 indivíduos e 1 em 8.500 é portador de uma das mutações no mtDNA associadas à doença. A idade descrita por diversos autores varia entre 15 e 35 anos nos indivíduos acometidos pela doença. Pesquisas pontuam que de 90% a 95% dos indivíduos afetados possuem uma das três mutações primárias que ocorrem nas posições nucleotídicas 11778G>A (guanina>adenina), 3460G>A (guanina>adenina) e 14484T>C(tinina>citosina).

Todas possuem defeitos nos genes que codificam subunidades do complexo I da cadeia respiratória mitocondrial MT-ND1, MT-NDA e MT-ND6. Segundo Maurício Miranda (2014) a mutação 11778G>A é a mais comum, estando presente em 69% dos casos de LHON, é considerada como a mutação com perda visual mais grave, ocorrendo a troca de uma base guanina por adenina do gene mitocondrial MT-ND4. O aminoácido arginina é substituído por uma histidina na posição 340 da proteína.

Ocorre dentro da mitocôndria a produção de moléculas prejudiciais que são agentes oxidantes poderosos que afetam toda a estrutura celular.

A segunda mutação mais pontuada é a m.14484T>C, apresenta- se em 14% dos casos, ocorrendo a troca da timina por citosina na posição já citada acima 14484 do gene mitocondrial MT-ND6, havendo a substituição do aminoácido metionina por valina na posição 64 da proteína do complexo I. (Amaral Fernandes 2013). Essa mutação apresenta uma possibilidade de melhora parcial na visão.

E a terceira mutação considerada a menos frequente, a m. 3460G>A, 13% dos pacientes apresentaram a mutação, nessa ocorre a troca de uma guanina por adenina no gene mitocondrial MT-NDI, os aminoácidos trocados são alanina por treonina de uma proteína do complexo I, sendo que essa provoca perda de visão intermediária em comparação com as outras já citadas.

Exames psicofísicos, o fundo de olho e outros testes de neuroimagem e tomografia de coerência óptica (OCT), contribuem para afirmar a presença da Neuropatia quando existe histórico de herança materna. A LHON apresenta a perda bilateral da visão, leva a perda aguda e subaguda da visão central e é progressiva. A acuidade visual pode chegar a valores inferiores 20/400 e a discromatopsia (distúrbio de visão em relação a percepção das cores).

As mutações no DNA mitocondrial afetam a respiração celular. Doenças que causam cegueira de origem genética após analises, tem relação com a mitocôndria.

Mas o que seria exatamente uma mitocôndria? São estruturas pequenas que se alojam dentro de células, que podem ser encontradas em diversas células do corpo, denominadas de “casa de força da cplula”, porque fornecem energia chamada ATP (trifosfato de adenosina), para isso fazem uso de nutrientes e oxigênio para produzir energia, através do processo chamado de respiração celular. Existem células que necessitam de mais energia que outras para exercerem sua função, como é o caso das células presentes no cérebro, coração e outras. Assim esses apresentam ter mais mitocôndrias. As mitocôndrias possuem o seu próprio material genético e variam de acordo com o tipo de célula. São formadas por duas membranas lipoproteicas: uma externa, composta de lipídeos e proteínas deporinas, possuem a função de controlar a entrada de moléculas, geralmente permite a entrada de algumas de tamanho grande, e possuem uma estrutura lisa. E a interna, possui dobras e são denominadas de cristas, essas se projetam para um espaço central chamado matriz mitocondrial que apresentam uma substância viscosa onde estão enzimas respiratórias que fazem parte da produção de energia. Nas mitocôndrias há a presença de moléculas circulares de DNA. O DNA das mitocôndrias é de origem materna. Na matriz estão localizados os ribossomos os quais produzem proteínas necessárias à mitocôndria. A palavra mitocôndria derivada do grego, mitos (linha/fio) e chondros (grânulo/grão), podem apresentar forma esférica ou alongada, e podem representar 20% do volume celular total.


Representação do esquema da mitocôndria

Por que o padrão de herança é materno? Porque as mitocôndrias presentes nos espermatozoides não conseguem penetrar no óvulo durante a fecundação, (Paulo Maurício Miranda (2014). Além disso, de acordo com as pesquisas realizadas, as mitocôndrias pertencentes ao óvulo, destroem as mitocôndrias dos espermatozoides.

Das proteínas que compõem as mitocôndrias, 10% dessas, a responsabilidade de codificá-las é do DNA mitocondrial. Os tecidos dependentes do metabolismo oxidativo, como a retina e o sistema nervoso central são afetados pelas mutações mitocondriais. O estresse oxidativo induz a apoptose (autodestruição da célula) nas células portadoras das mutações. A apoptose celular que corre é responsável pela deficiência visual, pois o nervo óptico é dependente do ATP (trifosfato de adenosina).

Estudos moleculares veem sendo realizados para elucidar como as mutações agem no funcionamento das mitocôndrias e como essas alterações influenciam nas células do nervo óptico, pois ainda não estão bem esclarecidas. Entre alguns pesquisadores existe também divergências em relação ao número de mutações responsáveis pela doença, os quais foram considerados primeiramente com 14 mutações, depois passou para 21 e recentemente são consideradas 32 mutações.

O diagnóstico molecular da LHON é detectado através de testes utilizando DNA de mitocôndrias presentes no sangue periférico, essa mutação mitocondrial é exatamente as encontradas no nervo óptico, mas como existe níveis diferenciados em mutações linfócitas e nas células do nervo óptico, esse é um motivo pelo qual ocorre as divergências.

Outros fatores externos foram observados que podem favorecer o surgimento da Neuropatia, deficiências nutricionais e fatores tóxicos como o uso do tabaco e álcool, pois danificam a fosforilação oxidativa, que contribui na produção de ATP.

Algumas pesquisas realizadas e comparadas entre as de outros países com as realizadas no Brasil diferem nos dados obtidos sobre as mutações mitocôndrias. Acredita-se que a heterogeneidade da população brasileira (miscigenação entre várias etnias) promoveu características distintas em relação às outras populações. Por isso afirma Olivier Achilli, a importância do estudo molecular para o esclarecimento do diagnóstico clínico de LHON.

Quanto a penetrância em relação a LHON, ainda continua sem explicações, a penetrância incompleta e a manifestação que é maior em homem (4:1), acredita-se que existam outros fatores genéticos, epigenéticos ou ambientais, além das mutações. Algumas hipóteses são levantadas para explicar essa maior frequência da doença em homens, assim como: combinação de variações anatômicas, hormonais e fisiológicas entre homens e mulheres.

A terapia gênica atualmente é a que vem sendo muito utilizada no tratamento da Neutopatia Óptica de Leber. Tem por objetivo substituir, eliminar genes doentes por genes saudáveis. Os resultados obtidos são promissores, apesar de não apresentar ainda a cura da doença de Leber, cientistas curaram um defeito genético causado por doença hereditária chamada de retinite pigmentosa (doença ocular que danifica a visão de forma grave). Além dessa tentativa muito é utilizada a substância chamada idebenona, antioxidante que reverte alguns danos celulares, essa medicação pode facilitar a produção de energia na mitocôndria que seria a ação primária, e a secundária seria de provocar a antioxidação da célula. Os resultados relacionados a essa medicação são lentos e depende do tipo de caso da Leber e de cada afetado.

Muito tem a se esclarecer sobre a etiologia da doença. Qual é o real número de mutações, como agem no funcionamento das mitocôndrias e como as alterações influenciam nas células do nervo óptico. No Brasil não há pesquisas abrangentes sobre as mutações.

A deficiência visual e o meio social


A deficiência visual caracteriza-se por uma limitação sensorial no órgão da visão. As pessoas que possuíam tal limitação, ao longo da história, foram tratadas com distinção, uma vez que suas características divergiam do “padrão” da normalidade estabelecido socialmente. Nos dias atuais, pode-se observar certo avanço no sentido de garantia de direitos sociais, colaborando para que não sofram mais grandes e frequentes discriminações devido às suas especificidades. Mas as maiores barreiras responsáveis pelas dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência visual estão na organização social.

No caso, as barreiras arquitetônicas, que dificultam a livre locomoção e mobilidade dessas pessoas; e, ainda, as barreiras educacionais, nas quais estão as adaptações e o desenvolvimento de materiais que garantam o acesso à leitura e à escrita.

Incluir a pessoa com deficiência no ambiente social é uma perspectiva válida quando se pensa que é no meio social que o desenvolvimento ocorre mais significativamente. Porém, é nesse momento que a deficiência passa a se tornar uma realidade reforçada pela ausência de estrutura para atender essas pessoas. E, no âmbito educacional, deve-se priorizar a escolarização de todos os alunos (com e sem deficiência) no ambiente da classe comum, sendo que é preciso contemplar as especificidades dos alunos com deficiência para que eles consigam alcançar sucesso escolar. Uma pessoa com deficiência visual, quando inicia suas atividades educacionais, pode sofrer problemas relacionados à adaptação ao novo ambiente, principalmente se este não estiver adaptado para atender suas necessidades. Entende-se que mais importante do que incluir na sala de aula regular é incluir também todos os recursos necessários para que ela desfrute das oportunidades como os demais estudantes. Há comprovação de que, do ponto de vista intelectual, não há diferenças entre o estudante com deficiência visual e o estudante que não tem a deficiência.

Para os deficientes visuais, a principal via de apreensão de informações são os sentidos remanescentes, geralmente o tato e a audição. Apesar de vários mitos e preconceitos é importante saber que a deficiência é uma limitação sensorial que não acarreta em limitações intelectuais. A deficiência visual não impede de andar, ler, estudar, ter acesso às tecnologias, entre várias outras atividades comuns a todas as pessoas. Mas o meio de acesso às essas informações será diferente; outros sentidos serão necessários para garantir a apreensão de informações pela pessoa com deficiência visual. Dessa forma, vale ressaltar a importância de adaptações que privilegiem os sentidos remanescentes. E nesse sentido, deve-se levar em consideração o desenvolvimento de materiais adaptados.

As dificuldades enfrentadas pelos deficientes visuais sobre a aceitação e adaptação, influenciam de forma negativa na sua socialização, fazendo deste um processo doloroso, pois o indivíduo se encontra com baixa autoestima e não acredita que possa vencer esta barreira, interferindo também em habilidades e capacidades. Afeta não somente a vida da pessoa que perdeu a visão, mas também dos membros da família, amigos e outros. Entretanto, com adaptação precoce, atendimento educacional adequado, programas e serviços especializados, a deficiência visual não significará o fim da vida independente e não ameaçará a vida plena e produtiva, sendo considerado também o envolvimento da família fundamental na elaboração e compreensão dessas adaptações, participando de forma positiva na reconstrução da identidade e do papel do deficiente visual na sociedade.

A importância da autonomia para o deficiente visual


A conquista da autonomia pela pessoa com deficiência visual envolve, também, superação dos impactos e dos prejuízos decorrentes da limitação visual, seja perda total ou perda parcial da visão, bem como, dos estigmas socialmente concebidos à deficiência visual. Outro fator a ser considerado para aquisição da autonomia pela pessoa com deficiência visual é o convívio social durante a reabilitação, dentro da instituição especializada, que oportuniza algumas similaridades aos históricos de vidas das diferentes pessoas atendidas, no caso, a deficiência visual. A autonomia é um processo individual para qualquer ser humano. Porém, o homem é um ser de relações, e, de acordo com a teoria de amadurecimento (Winnicot), constrói sua identidade por meio de relações com o outro.

A pessoa com deficiência visual passa pela experiência da convivência e do reconhecimento de outras pessoas com baixa visão ou cegas, que favorecem a reconstrução de sua identidade pessoal e social no processo de reabilitação. O envolvimento da família nesta ação social, necessária para a constituição e para aquisição da autonomia pessoal e social dessas pessoas, é de primordial importância na busca da independência, bem como o acompanhamento dos familiares no processo de reabilitação. O desenvolvimento da pessoa com deficiência, atualmente, percorre "um enfoque sociocultural, histórico e ecológico, com a preocupação dirigida, a história e a cultura familiar", que é um elemento facilitador, dentre outros, os quais oferece alternativas para a conquista da autonomia.

A ausência de estudos na área da autonomia pessoal e social de pessoas com deficiência visual, bem como a preocupação com a qualidade de vida dessas pessoas, reforçou a importância desta pesquisa científica, cujo intuito é o de contribuir para uma vida autônoma e plena dessa população.

Fenomenologicamente falando


Muito se tem falado recentemente a respeito da prática esportiva e inclusão social de deficientes visuais. O esporte, comumente conhecido como conjunto de práticas de atividade física que envolve habilidades motoras especificas, tem conquistado cada vez mais espaço em nossos dias. E quando se trata de esportes paraolímpicos há um leque de modalidades há serem exploradas, neste caso foi ressaltado o atletismo com a participação de esportistas com deficiência visual, que de modo genérico são acompanhados por um guia e unidos por uma corda.

Dentre os diversos benefícios proporcionados aos que praticam esportes, vale ressaltar que estes propiciam aos que aderem a tais práticas não apenas elementos vantajosos para o corpo como também para a mente, além da socialização do indivíduo enquanto ser social.

Considerando isto, nosso objetivo principal é entender como se dá o ser- no-mundo com deficiência visual e refletir sobre as experiências vividas por esses sujeitos, sob o olhar da fenomenologia.

Ao passo que utilizamos o método investigativo, a fenomenologia nos permite acessar o mundo do outro sob diversos aspectos como os emocionais, sua subjetividade, construção e atribuição de sentido àquilo que lhe é peculiar enquanto experiência, não deixando de fora suas perspectivas, considerando-as para compreender de maneira empática o ser-no-mundo e ser- com-outros.

Segundo Boss (1963) o primordial do ser-no- mundo, seu viver, não é uma abstração e sim uma ocorrência concreta; acontece e realiza-se, apenas, nas múltiplas formas peculiares do seu comportamento e nas diferentes maneiras dele relacionar-se às coisas e às pessoas. Tal afirmativa viabiliza e fomenta a importância da necessidade de compreender fenomenologicamente o que circunda os paratletas e suas respectivas percepções.

Dessa maneira, considerações teóricas que corroboram este trabalho foram utilizadas com o intuito de respaldar o conteúdo abordado, dentre elas a busca do sentido, compreensão da subjetividade humana e importância do esporte para os deficientes visuais.

Busca do sentido


Para Packter, que entende cada pessoa como singular, considerando a maneira com a qual ela se relaciona com aquilo que a rodeia, o homem é único através do exercício de sua liberdade. É preciso que esse indivíduo realize uma analítica do modo de ser do homem, como ele compreende a si mesmo. Uma vez que esse seja um dos principais objetivos da analítica existencial. Tais fatores devem ser considerados quando se tem por objetivo a tentativa de acessar o histórico do paciente. A habilidade de atribuir sentido a existência no uso de liberdade não ocorre de maneira vazia, e a analítica existencial de Heidegger também ressalta tal ideia, inclusive o que se apreende das reflexões orteguianas sobre a circunstância.

Segundo Victor Frankl, tudo pode ser tirado do homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas, a escolha da atitude pessoal diante de um conjunto de circunstâncias, para decidir o seu próprio caminho. Frankl nos faz lembrar que cada um de nós pode produzir um sentido que nos auxilie no decorrer de momentos difíceis, bem como toda e qualquer tentativa de preservar este fio, por mínima que seja, terá grandioso valor.

Fundada por Viktor Frankl a terceira escola vienense de psicoterapia, conhecida como logoterapia, foi conhecida no mundo todo durante a década de 40. E, apresenta um método de superação de conflitos humanos que tendem a gerar sofrimento. Tal escola viabiliza o encontro de sentido em situações que causam dor ou de caráter difícil o que permite que elas se tornem oportunidades de crescimento para as pessoas que as experienciaram. Este método, que tem sua atenção voltada a vivência de valores nos possibilita encontrar sentido em todos os acontecimentos da vida, o que consequentemente nos propiciará uma vida plena.

Logoterapia pode ser entendida como terapia por meio do “significado” ou atp mesmo do “sentido”, visto que nelas as conquistas tem suas diretrizes voltadas a algo que o ser humano busca incansavelmente sempre diante de circunstâncias trazidas pelo destino. Ela apresenta basicamente três princípios, sendo eles a liberdade de vontade, vontade de sentido e sentido de vida.

Resumidamente, liberdade de vontade refere-se ao autodistanciamento, e tal capacidade esta ligada a possibilidade de enxergar a si mesmo, aceitando- se, adaptando-se e posteriormente conseguindo visualizer-se, e isto nos atribui liberdade diante das seguintes fontes de influência, os instintos, a herança e o meio ambiente.

Considerando que o ser humano é mutável, não concluído e menos ainda predestinado, podemos possuir tais fontes, mas elas de modo algum nos determinam enquanto ser, pois somos livres daquilo que nos condiciona, e enquanto indivíduos somos responsáveis pela realização tanto de sentidos quanto de valores.

Já na vontade de sentido, o fator autotranscedência que qualifica o ser humano ganha um certo espaço, visto que enquanto indivíduo há um foco para além de si mesmo. De acordo com Frankl, a vontade de sentido não procura alcançar o poder nem o prazer, nem sequer a felicidade. Seu foco é o encontro de um proposito, uma razão para ser feliz. Isto ele declara considerando que poder e prazer são consequências da conquista de determinado objetivo e não o objetivo propriamente dito, de acordo com a logoterapia.

Frankl (1978, p. 59) articula que “o homem tem curiosidade de investigar os limites de suas potencialidades, as quais, contudo, se distanciam à medida que ele avança, o que o leva a transcender sempre a si mesmo”.

Vale ressaltar também o princípio do sentido da vida, no qual, ela conserva e ao mesmo tempo contém determinado sentido que é original e peculiar a cada indivíduo. O que nos leva a refletir a respeito de nossa responsabilidade enquanto seres conscientes de descobrir o sentido de nossas vidas. Sobre isso o autor afirma: “A morte só pode causar pavor a quem não sabe ocupar o tempo que lhe é dado para viver”.

Isto pode ser conquistado por caminhos que fazem alusão as três categorias de valores.

1) Valores de criação: "O que nos permite compreender o valioso da vida, diz Frankl, é a apreensão de toda a riqueza do reino dos valores".

2) Valores de atitude: atitudes tomadas por nós mesmos no enfrentamento de nossas limitações como dor, sofrimento, morte e aquilo que não podemos alterar.

3) Valores vivenciais: refere-se à aqueles que se dão no campo da experiência sensível vital. Como por exemplo quando assistimos a um pôr do sol, ao contemplar a natureza ou a arte.

Compreensão da subjetividade humana


Considerando que a psicologia humanista enxerga o homem como ser total, inteiro ao invés de considera-lo simples e unicamente por intermédio de seus aspectos isolados, houve aplicabilidade de tais condições nas entrevistas realizadas com os atletas. Levamos em conta também, para realização de tal processo investigativo desse ser-no-mundo, o argumento apresentado por Lima (2002, p28) ao declarar:

O fenômeno é para Husserl simplesmente aquilo que se oferece ao olhar intelectual, a observação pura, e a fenomenologia se apresenta como um estudo puramente descritivo dos fatos vivenciais do pensamento e do conhecimento oriundo dessa observação.

Segundo Amatuzzi, uma pesquisa que considera a subjetividade terá sua atenção voltada no empenho de envolver o sujeito ou sujeitos, incluso pesquisador, e a partir disso os mobiliza. É o tipo de pesquisa que se volta na tentativa de alterar a consciência dos envolvidos, inclusive leitores e inclina-se a modificar o método de ação de tais pessoas envolvidas nesse processo.

Schmidt (1990) liga a experiência ao pesquisar, e isto é notório na seguinte afirmativa:

A pesquisa, muitas vezes, é a elaboração de elementos diversos e difusos da teoria e da experiência, elaboração construída em torno de um fenômeno. Nesse sentido, uma pesquisa concluída é o relato do percurso de um pesquisador ou de um grupo (p. 59).

Subjetividade no seu sentido mais simples remete-se a característica ou até mesmo qualidade daquilo que é subjetivo, porem tal adjetivo refere-se ao que é próprio do sujeito ou respectivo a ele. Nisto também consideramos de maneira implícita as experiências do sujeito, o mundo vivido por ele e sua maneira existencial e singular enquanto pessoa. Desde seu campo perceptual, perpassando por acontecimentos e todo e qualquer fator que venha por ventura a afetar a experiência do indivíduo.

Pode-se inferir que interpretação e compreensão andam lado a lado com direção a abertura do ser, a partir da seguinte discussão de Heidegger (1927/1999):

“Toda compreensão guarda em si a possibilidade de interpretação, isto é, de uma apropriação do que se compreende” (p. 218).

Para Holanda (2014, p.68) “Fazer fenomenologia p realmente se embrenhar para dentro da realidade, para desvendar o que está por detrás desta”.

Considerando tais aspectos, foi possível acessar através da fala original dos sujeitos entrevistados, elementos intrínsecos bem como motivações a determinadas ações e suas razões que respaldavam tais atitudes, questões e fatos imprescindíveis na construção do ser como um todo além de uma soma considerável de diversos pontos que em conjunto aos ambientes que contribuíram ou não para desenvolvimento pessoal, de self e personalidade nos possibilitaram o acesso empático e compreensivo ao mundo do outro.

A importância do esporte para os deficientes visuais


O corpo é o meio pelo qual percebemos o mundo a nossa volta, é com ele que interagimos com os outros, nos conectamos e conhecemos a nós mesmos. Segundo Merleau-Ponty (2004, p. 15), a existência do corpo não se dá apenas pela junção de suas partes físicas, mas sim pela união de todas as partes de “si”, do tocante e do tocado do visível e do invisível. Nossos sentidos são um importante recurso para a construção desse aglomerado de percepções, que chamamos de realidade. Dessa forma, a perda ou ausência de qualquer um desses receptores sensoriais, principalmente a visão, implicará em uma reestruturação do modo de vida do indivíduo. No trecho seguinte, Merleau-Ponty evidencia a relação do corpo, do visível e do não visível.

Basta que eu veja alguma coisa para saber juntar-me a ela e atingi-la, mesmo se não sei como isso se produz na máquina nervosa. Meu corpo móvel conta como mundo visível, faz parte dele, e por isso posso dirigi- lo no visível. [...]Tudo o que vejo por princípio está ao meu alcance, pelo menos ao alcance de meu olhar, assinalado no mapa do “eu posso”. Cada um dos dois mapas é completo. O mundo visível e de meus projetos motores são partes totais do mesmo ser. (MERLEAU- PONTY, 2004, p. 14).

Na perspectiva da relação do deficiente visual com seu próprio corpo e com o meio social no qual está inserido, usando a fenomenologia como referencial, buscou-se entender a partir de entrevista individual com dois paratletas, qual a importância do esporte em suas vidas e como experiências singulares de cada um demonstram o processo de adaptação e de descoberta de si mesmo. Segundo (Binswanger, 1967), “o ser humano, mesmo que sofra limitações do ambiente ou do corpo, é capaz de superá-los através da consciência que tem das situações que vivencia”. Ainda, Forghieri (1993, p.27) dirá que, “a experiência cotidiana imediata é o cenário dentro do qual decorre a nossa vida; ser no mundo p a sua estrutura fundamental.”

Análise dos relatos dos atletas


Em nossa entrevista conversamos com dois atletas da APA (Associação Bertolinense de Atletismo), Antônio Carlos e Josoaldo Coelho, ambos cegos. Recorrendo a aplicação de algumas questões mobilizadoras tentamos entender qual a importância do esporte e como se dá o ser-no-mundo com deficiência visual.

Se nossos olhos fossem feitos de tal modo que nenhuma parte de nosso corpo se expusesse ao nosso olhar, ou se um dispositivo maligno, deixando-nos livres para passar as mãos sobre as coisas, nos impedisse de tocar nosso corpo[..] esse corpo que não se refletiria, não se sentiria, esse corpo quase adamantino, que não seria inteiramente carne, tampouco seria o corpo de um homem, e não haveria humanidade. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 15).

Analisamos como cada um dos atletas perdeu a visão e qual a importância do esporte na vida deles.

A1:“...sou cego de nascença, já nasci com a deficiência visual...”

A2:“...aos nove anos de idade eu tive a perca da visão do meu olho esquerdo...”

A2:“...tive a perca da minha visão, do meu olho direito, aí eu passei a ser um cego total, tava com vinte anos de idade...”

Apesar de ambos os atletas terem adquirido a deficiência visual de formas distintas é nítido perceber que o esporte foi um grande aliado na superação, inserção e readaptação dessas pessoas no meio social.

A2:“...quando perdi a minha visão, pensei que eu seria uma pessoa inútil, vou ficar só dentro de casa com as pessoas fazendo as coisas para mim, pensei que ia ser assim, mas graças a Deus, não foi desse jeito, o esporte conseguiu me transformar e dar oportunidade de me integrar a sociedade e ser visto como uma pessoa útil...”

A prática esportiva de alto rendimento proporciona ao atleta com deficiência visual a chance de ampliar suas potencialidades, sentir-se capaz, experimentar o triunfo de suas conquistas e superar seus limites (DePauw & Gavron, 2005).

Considerações finais


A partir dos relatos, é possível afirmar que o esporte é que guia e dá sentido à vida dessas pessoas, pois essa ferramenta se mostra como um suporte, para esses indivíduos superarem as adversidades de suas vidas, dando a eles a oportunidade de sentirem-se mais autônomos e importantes. Como disse Xausa (2003, p. 84), a resposta sobre o sentido do trágico é encontrada na atitude mesma que elegemos ante uma situação que se nos apresenta tragicamente. Só o ser humano tem o privilégio de eleger uma atitude frente ao sofrimento que se apresenta como tal.

Referências


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